quarta-feira, 23 de maio de 2012

Gesto (2011)

.
Gesto de António Borges Correia é um interessante filme que alia alguns factores originais em cerca de oitenta minutos.
O primeiro é o facto de ser um filme que é feito em duas línguas; a habitual, o português residindo a inovação no facto de ser também utilizada a língua gestual portuguesa durante uma boa parte da duração total deste filme.
O segundo aspecto a ter em consideração é o facto de Gesto ser, para lá da sua essência enquanto documental e basear-se na história do seu actor principal... António (interpretado por António Coelho), um jovem estudante surdo que ambiciona um dia ser realizador cinematográfico que cheguem a um público mais vasto... ouvintes e não.
António quer desesperadamente sair do país e estudar no estrangeiro mas, ao mesmo tempo que o deseja, vive também o seu primeiro amor por Irina Pereira, outra jovem surda. Auxiliado por Vanessa (Vanessa Teixeira), António decide efectuar um casting com alguns actores conhecidos... e é aqui que o espectador depara com algumas caras conhecidas como o são Alexandra Lencastre, Adriano Luz e José Raposo.
É neste ambiente que temos uma obra que une dois estilos. Por um lado o documental, que retrata as ansiedades de um jovem que encontra a sua paixão pelo cinema e a sua vontade de realizar filmes que tanto cheguem a um público ouvinte como a um público surdo, e para tal planeia e consegue "recrutar" três actores de reputada e bem estabelecida carreira. Os momentos de casting a estes actores são em primeiro lugar a prova de que a linguagem é por vezes uma barreira mas, por outro, também revela que quando há vontade de comunicar e de nos fazermos entender, tudo é possível... principalmente atravessar pontes que parecem, à partida, intransponíveis. A vontade de integração dos dois públicos é a sua necessidade e vocação, mas para isso sente que tem primeiro de se deslocar para outro local, conhecer novos "ares" e claro, estudar.
Por outro lado temos ainda a ficção onde a crescente paixoneta de António por Irina e os drama de uma relação que pode estar limitada pela vontade dele se deslocar para outro país tomam lugar, e é através dos gestos, das expressões e dos olhares que toda uma nova comunicação entre duas pessoas toma lugar. Comunicação esta que é - agora - essencialmente direccionada para um domínio sentimental e afectivo onde se revela o despertar de algo maior e onde os laços que se pretendem construir são os do "coração".
Rodrigo Almeida e Sousa e António Borges Correia assinam o argumento deste que é um filme assumidamente diferente e original, e que vence graças a uma perspectiva assumida desde o início de não se deixar limitar pelos eventuais entraves, e querer ser uma obra - a primeira - do género. Gesto não se quis esconder atrás de "algo que poderia ter sido", assumindo-se como um filme relativamente experimental que une dois estilos distintos - a ficção e o documental - mas que se complementam, e que ao mesmo tempo é interpretado em duas línguas também elas distintas mas que fazem parte de um mesmo povo, e que o espectador poderia também discutir sobre a sua relevância numa sociedade que se pretende inclusiva mas à qual nem todos têm acesso.
Poderia ainda dissertar sobre a necessidade de ser exibido a um nível escolar, mas seria uma dissertação que no final primaria pelo óbvio... é português e suporta uma nova abordagem e estilo diferente... estes dois argumentos resumem tudo o demais.
Temos então Gesto, um filme original que, apesar das diversas reportagens na imprensa televisiva e escrita bem como pelo facto de já ter passado na televisão, tem estado relativamente ao lado do grande público que, por reservas ainda grandes para com o seu cinema, ignora trabalhos que conquistam um lugar interessante no panorama cinematográfico nacional.
Não sei se de futuro outros projectos como este terão mais divulgação - estreia comercial por exemplo -, ou sequer se serão feitos - um bem haja à iniciativa de António Borges Correia -, mas este por ter dado o primeiro passo, terá com toda a certeza o seu lugar, não direi privilegiado mas sim de destaque, no cinema nacional.
E para aqueles que por uma ou outra circunstância se "cruzarem" com este filme, percam os preconceitos que ainda têm em relação ao cinema português ou mesmo em relação a um cinema onde a comunicação está para além de um conjunto de diálogos orais pois aqui toda uma comunicação é celebrada com o gesto, com a presença e com uma troca de olhares nem sempre explícita mas determinante para a interacção entre os diversos intervenientes... afinal se todos pensarmos nas origens do cinema... grandes mensagens chegaram ao espectador apenas com elementos de uma linguagem física e expressiva que continham todas as emoções do mundo.
.

.
7 / 10
.

Sem comentários:

Enviar um comentário