segunda-feira, 8 de outubro de 2012

De Bon Matin (2011)

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De Bon Matin de Jean-Marc Moutout foi um dos filmes presentes na Festa do Cinema Francês de Lisboa, e um dos que mais impacto provocou na audiência. Pela primeira vez no certame, e honestamente em qualquer visionamento de filme em que tenha estado presente, uma sala cheia fez um silêncio absoluto quando o filme terminou. Explicações à parte... quem tiver oportunidade não pode perder este filme.
Paul (Jean-Pierre Darroussin) é um bancário com uma longa experiência profissional. Meticuloso e com anos de confiança para com a sua carteira de clientes chega numa segunda-feira pela manhã e dispara mortalmente contra dois dos seus colegas de trabalho. Depois desta acção dirige-se calmamente para o seu gabinete onde reflecte sobre os acontecimentos das últimas semanas que o encaminharam para este trágico desfecho.
Este filme começa imediatamente bem quando ao som da 7ª Sinfonia de Beethoven assistimos a uma breve e muito ligeira despedida de Paul aos rituais banais do dia-a-dia de um homem de família. Desde o acordar ao vestir, a despedida matinal da sua mulher até ao caminho para o trabalho. Poderia ser uma vida como tantas outras que com ele se cruzam neste percurso mas esta tem um propósito trágico e fatal. Nenhum dia voltará a ser como este que irá transformar determinantemente todos os demais... para Paul, para a sua família e para os seus colegas. Até para nós que, enquanto espectadores, inicialmente nos identificamos com aquele homem de aparência pacata mas que quando levado ao limite perde o total discernimento sobre as suas acções. Não enlouquecer mas, no desespero, percebe no seu íntimo que aquele é o único desfecho possível para por um final ao último grande suplício pelo qual a sua vida passaria.
Jean-Pierre Darroussin é o homem que dá corpo, e uma grande alma, a este homem "actual". E digo actual pois pode ser o retrato de tantos e tantos homens anónimos que todos os dias se debatem com uma nova sociedade que entrou sem bater à porta. A crise bancária e económica que tem vindo a afectar a sociedade tal como a temos conhecido, lançou para o mundo laboral dilemas e questões que até então não eram colocadas. O trabalho por objectivos e o consequente aumenta da pressão e do stress. A sua relação com as crises familiares que se desencadeiam a um ritmo igualmente alucinante e as pressões laborais onde um simples relatório sobre a transformação rentável de um departamento pode "incriminar" e significar o despedimento daqueles que connosco têm trabalhado pelo bom funcionamento de uma instituíção.
A sua interpretação consegue captar o melhor de todos os momentos. Por um lado temos o homem de família dedicado e preocupado com o bem-estar dos seus. Da sua mulher e do seu filho. Da sua condição enquanto marido e pai... o homem de família que sustenta um estilo de vida elevado, não esquecendo a sua igualmente importante condição perante a sociedade enquanto um homem solidário e que intervém em inúmeras causas sociais pelo bem-estar do próximo. Ao mesmo tempo é dado a conhecer a sua faceta enquanto profissional competente e de excelência que sempre zelou pelo bom funcionamento não só do seu departamento como de todos aqueles com quem colaborava. Reservado e austero mas sempre educado e cordial para com colegas e superiores.
Finalmente Darroussin entrega uma excelente interpretação que quase em modo automático nos demonstra a rápida queda de um homem que está entregue a si próprio num mundo cão do qual não parece conseguir sair. Todos os seus passos e acções são controladas ao minuto de forma a que tudo o que ele faça possa ser uma arma carregada pronta a disparar contra a sua própria cabeça. Foi mais fácil mostrar-lhe o fundo para onde se dirigia do que o topo para onde pretendia chegar e obter a recompensa profissional e financeira que sempre desejou. É esta viagem em espiral decrescente, e bem decadente, a loucura e a sua percepção, onde tenta literalmente remar contra uma maré em fúria que Darroussin nos mostra com excelência e maestria.
Todos à sua volta são meros apêndices que reagem à sua interpretação. Mais ou menos secundários mas todos eles "existem" graças à sua intensa personagem, da qual nós não nos conseguimos separar. Sentimos a sua intensa emoção e revolta que, tal como ele a entrega, está contida em olhares, expressões e tensões sentidas através de todos os seus gestos e comportamentos perante os outros... perante a sociedade que o rodeia. Se existem interpretações que levam todo um filme do início até ao final, a de Darroussin é sem qualquer reserva uma delas e que pode representar um qualquer indivíduo na sociedade moderna em que nos encontramos e que tanto poderia ser em França como em qualquer outra parte do mundo ocidental.
E se todo o filme consegue mexer com o nosso âmago, não deixa de ser menos verdade que nada nos preparava para aquele tão intenso e explícito final que consegue destronar qualquer um dos mais insensíveis onde Darroussin num último acto de revolta e separação dos valores que regem a actual sociedade toma todo o controle da situação nas suas próprias mãos mostrando que este não é o mundo pelo qual ele trabalhou, e o qual ele tentou transformar numa sociedade igualitária e justa onde as oportunidades estavam ao alcance daqueles que por elas lutavam.
Foi este mesmo momento que conseguiu impressionar todos. Por momentos escutaram-se alguns momentos de surpresa e de espanto pela sala do São Jorge que rapidamente deram lugar a uma sala cheia... e em silêncio. Ao sair dela todos estavam num absoluto pranto, tal o dramatismo e a violência das imagens para as quais, deduzo nenhum de nós estaria preparado. Este sim é um filme intenso e um dos melhores retratos sobre a actualidade que vi, até à data, através de um filme e que Darroussin como seu motor principal consegue fazer-nos ver e, especialmente, sentir.
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9 / 10
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