segunda-feira, 7 de abril de 2014

Gotas de Fumaça (2013)

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Gotas de Fumaça de Ane Siderman é mais uma das curtas-metragens brasileiras de ficção presente na Mostra de Inclusão Social do FESTin - Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa a decorrer no Cinema São Jorge, em Lisboa, numa mostra exclusivamente de cinema brasileiro.
A obra de Ane Siderman com argumento de Leonardo Machado, remete-nos para um bloco de apartamentos onde, num deles, Bibi (Araci Esteves), uma viúva que vive isolada apenas com a companhia do seu gato, se relaciona muito esporadicamente com alguns dos seus vizinhos que mostram ter por ela uma grande empatia e carinho.
No então é com Julieta (Fernanda Moro), a sua vizinha de cima que após um incidente fruto da sua própria solidão, que Bibi estabelece a relação mais próxima e talvez mais cúmplice que a faz perceber que o seu afastamento da comunidade não é apenas fruto do seu ser mas que ali tão perto existe pelo menos mais uma pessoa com a mesma dificuldade de interacção.
O argumento de Machado consegue captar muito da essência desta solidão que se torna avassaladora nas sociedades contemporâneas e onde aquela ideia e frase feita do viver sózinho no meio de tanta gente é realmente uma realidade trágica e triste. Através da vida de "Bibi" percebemos que esta mulher vive há bastante tempo sózinha entregando-se às pequenas e banais tarefas domésticas a que se vê de certa forma obrigada, bem como a tratar do seu pequeno gato, o qual o espectador nunca vislumbra camuflando-se por uma casa onde tantos outros objectos e pequenos grandes detalhes são, também eles, esquecidos como que à espera de um dia também desaparecerem sem que ninguém dê pela sua falta.
É neste momento que é então estabelecida a relação entre as suas mulheres fruto de duas distintas gerações mas que, na prática, vivem problemas comuns... Enquanto "Bibi" é uma mulher viúva e sem uma aparente descendência que lhe continue a proporcionar uma vida com significado, "Julieta" é uma jovem mulher abandonada por aquele que parecia ser o seu grande amor. Se para uma a dificuldade parece ser viver, para a outra a morte parece a única via possível, justificável e com sentido para uma vida que não o tem. Ambas esperam o fim, ainda que à sua própria maneira, e sabem que ele pode ser uma realidade mais depressa do que imaginam. É neste desconforto que identificam o seu par (elas próprias) e que percebem que no meio de tanta solidão parece haver, finalmente, o "outro" pelo qual tanto esperam e que as entende sem questões que seriam difíceis de responder e tendo o seu ponto comum na distância que uma já viveu e a outra tem ainda por experienciar.
Se a premissa desta curta-metragem é suficientemente interessante para nos entregar um relato até potencialmente fiel da solidão nas sociedades modernas onde ainda que rodeados de pessoas o indivíduo esteja cada vez mais solitário e metido nos seus próprios assuntos (mesmo que inexistentes), não é menos verdade que Gotas de Fumaça é mais um objecto teatral do que propriamente cinematográfico onde desde o ritmo e prestação das actrizes protagonistas se mantém num registo pausado e literal do que propriamente espontâneo como se espera ver num filme. Tudo aparenta ter o seu próprio lugar estando milimetricamente "no sítio", e a inexistência de uma desordem mental revela-nos que a naturalidade dessa mesma solidão foi aqui "trabalhada" e moldada aos parâmetros de algo que se pretendia ser simplesmente espontâneo. A própria encenação do suicídio de "Julieta" parece representada ao mais ínfimo detalhe, assim como as inúmeras conversas que "Bibi" tem com o seu camuflado gato denotam que o texto foi estudado ao mais pequeno detalhe deixando muito pouco espaço para os pequenos imprevistos que a vida, ainda que solitária, reserva a todos nós. Afinal questionemo-nos... Depois de um longo período onde o único conforto foram quatro paredes vazias e inexpressivas, não seria natural ver um brilho no olhar com um contacto onde se partilham os mais preciosos segredos de uma vida?!
Gotas de Fumaça é assim uma curta-metragem com um potencial que ficou por explorar perdido no caminho e cujas interpretações, ainda que esforçadas e competentes na sua dor escondida, não conseguem trazer a bom porto e revelar-nos que existe muito mais por saber mesmo que fique ocultado por um olhar sofrido, solitário e esquecido, como se se encontrasse num limbo do qual não ousa sair.
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5 / 10
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