terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O Grande Kilapy (2012)

.
O Grande Kilapy de Zézé Gamboa é uma longa-metragem de co-produção luso-brasileira-angolana e vencedora do prémio de melhor actor - Lázaro Ramos - na edição de 2013 do FESTin e recentemente premiado no Caminhos do Cinema Português, em Coimbra pelo guarda-roupa.
Joãozinho (Lázaro Ramos), é um dos muitos estudantes que se encontram em Lisboa vindos de Angola, e onde vive uma vida de boémia pela capital do então Império Português onde se relaciona com inúmeras mulheres - algumas até influentes na sociedade de então - gerando assim a inveja de outros homens bem como toda a atenção da PIDE.
Luís Alvarães e Luís Carlos Patraquim escrevem o argumento deste filme cuja acção se inicia na Lisboa actual levando o espectador por uma revisitação da capital na década de 60 do século passado bem como pela Luanda colonial onde o protagonista, habituado a uma vida de luxo que sózinho não conseguiria pagar, encontra o El Dorado nas finanças da colónia efectuando o seu "grande kilapy" (golpada/burla).
No entanto, aquilo que O Grande Kilapy consegue ter de mais interessante e mais consistente é, na realidade, a recriação do clima de medo sentido durante os tempos idos da ditadura fascista e a forma como este se manifestava de diferentes formas nos mais variados meios. Que os bufos e as "escutas" existiam já todos nós sabemos mas, no entanto, é curioso ver a forma como os polícias da ditadura funcionavam com repressão sim mas com diferentes níveis em Lisboa e em Luanda. Se pela capital os inspectores da PIDE estavam ao virar de cada esquina e tudo desde o mais ofensivo ao mais banal era alvo de um questionário, não é menos verdade que por Luanda tudo aparentava correr de forma mais ligeira e os devaneios eram mais tolerados, motivo pelo qual "Joãozinho" consegue levar uma vida perfeitamente descontraída pela sua Angola natal. Interessante é também verificar como a ditadura controlava as mentes... se por um lado permitia a vinda à metrópole de estudantes das colónias, não era menos verdade que os controlava com a criação de, por exemplo, Casa dos Estudantes do Império onde todos eram observados e as suas "subversões" controladas.... "ter os inimigos perto e os amigos mais perto ainda", parece ser um ditado apropriado para esta questão.
Mas, ao mesmo tempo, permanece ao longo de todo o filme uma ligeira sensação de dois curiosos elementos. O primeiro prende-se com o facto de percebermos que este filme poderia ter ido muito mais longe não só na exploração da sua história - e da própria burla que aqui é remetida para um segundo plano dando mais vida aos encontros amorosos de "Joãozinho" - e o segundo aspecto é com a exploração do carácter das personagens que, na sua maioria, ficam sempre muito aquém daquilo que delas poderia ter sido retirado. Casos flagrantes são o do "Inspector Raul" (João Lagarto) que para o posto máximo de uma polícia num regime ditatorial se mantém quase como uma personagem secundário que ocasionalmente surge para marcar presença como "o fascista de serviço", e mesmo quando aparece mais se torna num amigalhaço de longa data do que propriamente no rosto conhecido de uma ditadura sem piedade... Exemplo também é o de "Carmo" (Sílvia Rizzo) e "Lola" (São José Correia), duas das mulheres de "Joãozinho" que na realidade se mantêm como figuras "decorativas" tendo as suas personagens um interessante potencial que não chega a ser explorado. Se a primeira é a mulher - elegante - do regime que se deixa levar pelos encantos "proibidos" do estudante africano, a segunda é aquela que vinda do povo o conquista pela sua sensualidade e erotismo, mas ambas acabam por ficar perdidas nos banais clichés daquilo que representam e não lhes é dada a oportunidade de explorar os seus fins, os seus propósitos ou principalmente as suas motivações pelo então "fruto proibido".
Excepção seja feita, no entanto, ao próprio Lázaro Ramos que leva o seu "Joãozinho" a bom porto conferindo-lhe um ar marialva desde o início mas que aos poucos se esbate e apaga à medida que o cerco vai ficando mais apertado, excepção também feita aos seus dois comparsas; "Pedro" - interpretado por Pedro Hossi - fiel amigo que funciona como uma voz pacata da consciência e "Rui" (Pedro Carraca) que está em O Grande Kilapy como o elemento cómico conseguindo retirar alguns dos momentos mais bem dispostos de todo o filme.
Tecnicamente interessante principalmente pelo guarda-roupa e caracterização - Teresa Campos e Sano de Perpessac respectivamente - que ajudam o espectador a ter um maior contacto com a época em questão, não é menos seguro afirmar que O Grande Kilapy tenta mas, na realidade, nunca chega a aquecer. Poucas são as personagens realmente seguras, e com isto quero dizer que as interpretações dos actores são fiéis mas com pouco material para se movimentarem e criarem uma "alma" movimentando-se apenas de pequenos e pontuais momentos que numa manta de retalhes unem os diversos segmentos do filme deixando toda a história girar em torno deste marialva que navega navega... mas nunca mais chega ao seu porto acabando por, graças ao passar do tempo, ficar esquecido numa qualquer paragem.
Finalmente aquilo que na prática mais me incomodou com O Grande Kilapy é aquele tom quase nostálgico com que se tenta apresentar os tempos do antigo regime ditadorial como os "good old days", onde tudo era perigoso mas quanto baste descontraído e que agora mais não resta àqueles que por lá passaram do que a saudade de um tempo que já não volta. No fundo existe desde o primeiro instante um certo tom condescendente que em vez de primar pela originalidade e firmação de Kilapy como uma referência no cinema de época - que na prática e pelo menos recente... pouco ou nenhum existe para lá de 20,13, de Joaquim Leitão ou A Costa dos Murmúrios, de Margarida Cardoso - o torna numa obra extremamente extensa e sem aquele brilho que seria de lhe esperar.
Simpático... pode ser esta a palavra que mais correctamente lhe posso atribuir... encontrando-se assim muito longe de ser um filme que marque pela diferença ou pela referência do último ano cinematográfico.
.

.
6 / 10
.

Sem comentários:

Enviar um comentário