quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Um Rapaz Chamado Jaime (2015)

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Um Rapaz Chamado Jaime de André Marques é uma curta-metragem portuguesa de ficção e o mais recente trabalho do realizador de O Anjo (2013).
O argumento desta curta-metragem, também da autoria do realizador, apresenta-nos Jaime (Henrique de Carvalho), um rapaz para quem a normalidade do seu dia-a-dia reside na violência a que é sujeito às mãos do seu pai.
Incapaz de se relacionar com os outros, Jaime tem uma invulgar forma de interagir com César (Pedro Ó Parente), aquele que parece ser o seu único amigo, e que irá determinar de forma dramático o resto da sua vida.
Num evidente salto qualitativo desde O Anjo, André Marques cria uma interessante história não só pela forma como aborda uma invulgar e escondida dinâmica familiar como, ao mesmo tempo, quebra o - um - silêncio sobre a violência física e sexual no seio da mesma de forma crua e quanto baste explícita. Para lá dos inúmeros relatos informativos dos quais tomamos conhecimento e que tantas vezes preferimos ignorar, em Um Rapaz Chamado Jaime o espectador entre não só dentro da mente perturbada e atormentada de "Jaime" como também dentro daquele que deveria ser o seu porto de abrigo... o seu lar. O que será que realmente acontece na mente daqueles que vêem e vivem no único local do mundo onde qualquer um se deveria sentir protegido e em segurança? O que acontece quando este local se torna naquele que mais atormenta a existência de alguém transformando-o numa zona de tensão e repúdio? E finalmente, o que acontece quando todo um ambiente de tortura física e psicológica são tidos como "normais" transformando toda a interacção humana num único e contínuo acto de violência?
Todas estas questões têm obviamente uma resposta. Uma resposta que não se avizinha desde o primeiro instante como sendo aquela que esperamos para um desfecho feliz - impossível depois de todos os momentos mais ou menos explícitos que presenciamos da "rotina" a que "Jaime" está sujeito mas que, ao mesmo tempo, desencadeiam todo um processo de auto-destruição.
"Jaime" está perdido... apenas ele não consegue ainda perceber isso. Incapaz de se sentir seguro no seu lar ou de estabelecer um qualquer tipo de relações de amizade ou afectivas com outras pessoas - percebemos aliás que boa parte da sua existência foi vivida neste estado de insegurança e com a ausência de uma mãe que fugiu do seu lar -, toda a atracção física se direccionam na imagem de "César" mas puramente num instinto animal que lhe é transmitido como sendo "normal". A afectividade não existe tendo sido destronada pela possessividade e violência e estas a uma manifestação de relação meramente carnal e tida pela força. Quando o afecto é desconhecido e a violência é um estado psicológico "normal" e o único que compreende como o correcto para se relacionar com os demais, o espectador percebe que "Jaime" está a uma curta distância de descarrilar definitivamente.
Com uma interessante direcção de fotografia de Teresa O. Sousa que capta não só uma luz interessante nos exteriores no primeiro segmento da curta-metragem como um ambiente tenso e pesado que parecem transformar aquele apartamento numa câmara de penitências escura e mórbida, Um Rapaz Chamado Jaime destaca-se não só pelo já referido argumento como ainda pela inspirada interpretação de um jovem Henrique de Carvalho como o jovem atormentado e preso dentro de um ambiente tortuoso, inseguro dos seus sentimentos e principalmente de como expressá-los e cuja inaptidão irão, a curto prazo definir o seu destino, no desempenho que o coloca afastado da "escola" que podem ter sido as novelas e no rumo como um potencial e interessante protagonista em cinema.
Um último e igualmente positivo apontamento às interpretações de Pedro Ó Parente que tendo uma interpretação secundária faz dela o ponto de desejo - e sem retorno - desta história, e ainda para Sérgio Mendes como "António", o pai abusador e violento que dá todo um novo rosto àquilo que facilmente poderemos identificar como um predador com o rosto do mal demonstrando que sem qualquer artifício ou caracterização este (mal) pode ter um rosto igual a tantos outros e bem mais próximo do que qualquer um de nós imagina.
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8 / 10
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