quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Delírio em Las Vedras (2016)

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Delírio em Las Vedras de Edgar Pêra é a mais recente longa-metragem do realizador de O Barão (2011) presente na selecção oficial da vigésima-terceira edição do Caminhos do Cinema Português a decorrer em Coimbra até ao próximo dia 3 de Dezembro, e aqui numa incursão pela folia do Carnaval de Torres Vedras... terra de perdição pela referida altura do ano.
Quando um grupo de repórteres com os seus próprios estigmas e preconceitos - ou falta deles - sobre o evento mais popular do ano se deslocam para uma das terras que mais vincadamente o festeja... os resultados só se podem assumir desastrosos... ou hilariantes.
No estilo muito próprio de Edgar Pêra, o espectador por vezes espantado, é literalmente empurrado para os dias de folia do Carnaval de Torres onde as suas já tradicionais e muito características personagens assumem as rédeas de um evento que se quer... descontrolado. Com o propósito de documentar estes dias e num estilo que mistura o documentário e a ficção, Delírio em Las Vedras responde àquilo que tradicionalmente se diz... "what happens in Las Vedras... stays in Las Vedras".
Respondendo aos caprichos, às audiências e as desejos dos seus públicos - todos eles muito específicos desde os mais elitistas àqueles que procuram um programa ao estilo de um reality show - estes repórteres tresloucados perdem-se pelas ruas da cidade tentando, à sua maneira, captar a essência do Carnaval que possa preencher os requisitos da estação que representam. Quererá o seu público ver folia? Cultura? Moda? Ou será que mais não procuram de algo que os faça divertir sem que pensem muito?! Todas e quaisquer respostas a estas perguntas são válidas... Aquilo que o espectador não espera - ou talvez espere se se recordar da obra do realizador - é por uma história que se deixe levar pela folia e perca todo e qualquer preconceito...
Aqui os actores - ou as suas personagens - perdem-se pelas ruas da cidade assumindo não só as facetas que ali tentam impôr como também a própria frenética loucura de uma cidade que não dorme. De rua a rua e por vezes até de porta em porta, vasculham todos aqueles que se deixam levar pelo ambiente de folia, comédia ou crítica social encarnando eles próprios personalidades que os façam expiar o seu dia-a-dia. De meras personagens da animação a figuras públicas e políticas passando pelas personalidades históricas que marcam sempre presente, foliões e repórteres são dois lados de um evento que... aqui se complementam e actores, cientes do seu essencial contributo para este filme e sem um guião firme e estabelecido que tem de ser respeitado, deixam-se levar pelo improviso que capta não só a essência do evento como principalmente a espontaneidade de uma população anónima que ali dá tudo por tudo para que a noite seja bem passada.
Pelo meio destes repórteres do improviso destaca-se aquele que assume a personagem mais improvável de todas para o momento... "Valdemar do Amaral" interpretado por um sempre vigoroso Nuno Melo que aqui é o sinónimo de uma elite que não se mistura com o "povo" - que o próprio tanto abomina - mas que pela pressão das audiências e de um canal (TV Cultura) que tudo pretende fazer para ganhar nessa dura batalha de bastidores, "sacrifica" o seu mais preciso trunfo transformando-o na verdadeira matrafona de Carnaval quer ele queira... ou não. Mas, todos eles - actores - primam pela capacidade de agarrar o improviso, libertarem-se dos seus eventuais preconceitos e deixarem-se levar pelas ruas e pela população que descontroladamente os "transforma" num do grupo documentando o "outro lado" da festividade... não só o das paradas e dos desfiles mas também das conversas sem nexo, da agitação popular que invade cada rua e ruela sem nenhum propósito em concreto mas que tanto caracterizam um dos mais antigos e movimentados Carnavais do país.
Delírio em Las Vedras não será certamente a obra maior de Edgar Pêra... mas também não se assume com essas pretensões. Seja como filme ensaio ou mesmo como potencial mockumentary, esta longa-metragem assume apenas o seu objectivo de utilizar o já referido improviso para melhor poder captar a essência de uma população em delírio - literalmente -, dos actores que se deixam (in)voluntariamente levar pela folia de uma cidade e com isso poder eventualmente criar alguns momentos mais ou menos divertidos e celebrar o non-sense com dignidade e humor.
E se tudo isto não bastar, Delírio em Las Vedras é ainda mais uma excelente oportunidade de ver o saudoso Nuno Melo numa das suas últimas interpretações repletas de humor... de repórter elitista que abomina o povo a pivot destronado e transformado na matrafona mais matrafona que o cinema alguma vez viu... É pela comédia... vale (quase) tudo.
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6 / 10
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