sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

A Ilha dos Cães (2017)

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A Ilha dos Cães de Jorge António é uma longa-metragem luso-angolana presente na selecção oficial do Festival Caminhos do Cinema Português, a decorrer em Coimbra.
Sessenta anos separam as duas histórias da Ilha dos Cães. Uma delas decorre na era de domínio colonial português na qual o forte existente na ilha era sede de uma prisão para revolucionários deportados por oposição ao regime. A outra história de corre na actualidade onde Pedro Mbala (Miguel Hurst) chega à ilha encarregado de transformar a prisão num condomínio de luxo na mesma altura em que estranhos assassinatos cometidos por uma matilha de cães parecem ensombrar a ilha.
Jorge António, Virgílio Almeida, Paulo Leite e Carlos Ferreira adaptam a obra Os Senhores do Areal, de Henrique Abranches ao grande ecrã e dão ao seu argumento um componente de mistério e sobrenatural que ensombram esta história destes os instante iniciais onde o espectador é inserido numa plantação colonial onde a população é usada como instrumento de um trabalho escravo às mãos de um impiedoso Américo (Nicolau Breyner). Como todas as histórias, também esta começa com um pretenso romance. Talvez o único momento possível para apaziguar as mentes daqueles que, torturados por um poder opressor, eram condicionados a uma situação onde são desprovidos da sua personalidade, dos seus direitos e até da sua individualidade. É proibido sentir, amar e pensar. Assim era o Portugal colonial da década de '50.
Neste Portugal de então, os desejos de independência e auto-determinação começavam a dar os seus passos mais intensos e o poder central desafiado e questionado sobre o seu verdadeiro poder, detém e tortura todos aqueles que se lhe opõem. É neste contexto que o espectador conhece "Pera d'Aço" (Ângelo Torres) e "Garcia" (Daniel Martinho), dois dos detidos por este brutal regime simplesmente por serem - para os de então - seres inferiores e sem direitos de reclamar o seu destino pelas suas mãos. Mas, e se estes homens escondessem algo mais que lhes confere um poder superior? E se eles são realmente "culpados" dos acontecimentos que envolvem - entre épocas - a já referida matilha de cães que ensombra a população da ilha? E se por detrás de toda esta história de mudança - de regime, de pele, de governo -, se escondesse um conto de tortura, de desumanização e de justiça que apenas aquele grupo de pessoas poderia testemunhar?
Da Angola colonial ao país independente, A Ilha dos Cães centra a sua dinâmica numa história sobrenatural que, no entanto, tem como pano de fundo um país desigual nos seus dois momentos - 1955 e 2015 - tentando, no entanto, manter-se à tona através do respeito pelo passado, pela memória e sobretudo pelas vítimas de um regime brutal e desumanizador que fundamentava o seu poder num ideal de supremacia rácica inexistente. No entanto o Homem com poder independentemente da sua origem irá provar (nestes dois momentos) que apenas a tradição e o respeito pelas suas origens poderão salvá-lo de um qualquer mal que insiste em reclamar a sua terra para si próprio.
Ainda que curiosa a abordagem desta história que cruza não só a História com um toque sobrenatural fazendo justiça através da acção de um conjunto de improváveis justiceiros, A Ilha dos Cães sofre de uma importante fragilidade na sua narrativa... o escasso desenvolvimento das suas personagens que ostentam um óbvio conteúdo por explorar... do esclavagista interpretado por Nicolau Breyner - nesta sua última interpretação cinematográfica - à já referida dupla Ângelo Torres e Daniel Martinho cujas personagens aqui secundárias são essenciais à dinâmica da história servindo-lhe, inclusive, de elos fundamentais entre os dois momentos temporais, o espectador não pode esquecer a não explorada relação entre a personagem interpretada por Ciomara Morais e a de Miguel Hurst que, compreendemos, sofrem de um amor interrompido (potencialmente semelhante à da história inicialmente contada pelos presidiários) pela separação de que ambos foram alvo... ele homem de negócios que Luanda "branqueou" e ela uma filha da terra que não está disponível para abandonar o local que a define enquanto mulher e lhe confere todo o seu passado sem esquecer claro, o brutal carcereiro interpretado por João Cabral cujas pérfidas acções para com os homens que detém definem-no não só como "homem" como também personifica todo um violento regime que estava disposto a tudo para desumanizar e retirar individualidade aos seus.
Torres e Martinho por um lado e Cabral e Breyner por outro são, entre o elenco do primeiro momento em 1955, os actores cujas personagens poderiam ter sido mais exploradas. Aliás, fosse o filme todo feito em redor das dinâmicas criadas entre eles e A Ilha dos Cães seria aquele drama colonial que o cinema português precisaria de ver. A escravatura existiu... a desumanização das populações portuguesas de África também - e com isto não me refiro ao português branco... - e até ao momento, a memória, incapaz de viver consigo própria, ainda não foi capaz de contar este período tal como ele precisa ser registado... bruto, violento e impiedoso. Por outro, também as dinâmicas exercidas entre Hurst e Morais denotam que existe todo um passado e um romance que poderiam - deveriam - ser explorados mas que, infelizmente, ficaram por revelar deixando ao espectador aquilo que a sua própria imaginação deixa desenvolver.
A Ilha dos Cães vive de todo um potencial e dinamismo que poderiam contar várias histórias dentro da história. No entanto - e sem conhecer a obra remetendo-me exclusivamente àquilo que o filme permite ver -, aquilo aqui centralizado foi apenas o lado sobrenatural do conto como forma de expiar e vingar as tormentas do regime ditatorial deixando presente que a vingança pode chegar tarde... mas não se esquece dos seus carrascos... sejam eles quem forem... e em que tempo cronológico se encontrem.
Com uma dinâmica sobrenatural interessante e interpretações esperadas para o género das quais se destacam os já mencionados Torres e Martinho - que, no entanto, são reveladoras de todo um potencial que seria de esperar ver mais desenvolvido - A Ilha dos Cães promete mais do que aquilo que no final revela mas é eficiente na forma como trabalha as suas personagens explorando-as e deixando para o espectador a árdua tarefa de imaginar o seu passado e e as sevícias de que foram vítimas.
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6 / 10
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